O Problema dos Três Corpos 1

Vânia Oliveira e Inês Cruz 2



Índice




  






Definição do problema

O problema dos três corpos (com força de atracção Newtoniana) é o estudo do movimento de três corpos de massas arbitrárias, $m_{1},m_{2}$ e $m_{3}$, em movimento por acção exclusiva da força de atracção Newtoniana entre cada par de corpos.

Este problema surge naturalmente no estudo do movimento dos planetas. Por exemplo o sistema Sol-Terra-Lua pode considerar-se como um caso particular do problema dos três corpos se desprezarmos o efeitos dos outros planetas neste sistema. Também o sistema Terra-Lua-satélite constitui um caso particular deste problema desprezando o efeito exercido pelo Sol e pelos outros planetas no sistema. Este último problema é, no entanto, tratado de forma mais conveniente se considerarmos que o satélite tem massa nula quando comparada com as massas da Terra e da Lua, enquadrando-se melhor no chamado problema restrito dos três corpos.

É costume distinguir o problema geral dos três corpos (em que os corpos se movem no espaço tridimensional) do problema planar dos três corpos (os corpos movem-se num mesmo plano ao longo do tempo).

O problema pode definir-se para um número $n$ arbitrário de corpos, chamando-se então o problema dos $n$ corpos, e constitui um dos desafios que, tendo interessado matemáticos eminentes ao longo dos séculos, continua por resolver.






Soluções clássicas

O que significa exactamente resolver o problema dos $n$ corpos? Na sua interpretação clássica resolver o problema consiste em obter uma expressão para a posição de cada corpo num instante $t$ arbitrário, dadas as massas dos $n$ corpos e as suas posições e velocidades num instante inicial $t_{0}$.

Neste sentido clássico o problema só está resolvido no caso $n=2$ e, mesmo neste caso simples, a expressão para a posição dos corpos num instante $t$ arbitrário envolve integrais cuja expressão analítica não é conhecida.

No caso $n=3$ conhecem-se algumas soluções clássicas (soluções no sentido clássico). Tais soluções existem para três corpos de massas arbitrárias mas com posições e velocidades iniciais devidamente escolhidas. Elas podem ser divididas em dois tipos (soluções colineares e soluções equiláteras) e foram obtidas respectivamente por EULER (1772) e por LAGRANGE (1772).

Muito recentemente MONTGOMERY (2000) obteve uma nova solução no caso dos três corpos terem massas iguais (figura oito) usando métodos variacionais.

Importa notar que todas estas soluções são soluções do problema planar dos três corpos.






Soluções geométricas

Em alguns casos é possível obter o desenho das órbitas dos três corpos, ou melhor, o desenho do seu percurso ao longo do tempo, sem obter uma solução no sentido clássico. A este desenho chamaremos solução geométrica do problema dos três corpos. Uma solução geométrica está para a respectiva solução clássica como a imagem de uma curva está para a expressão da curva. Em particular a solução geométrica ``ignora'' a velocidade com que a solução clássica é percorrida e o modo como é percorrida.

Por exemplo, nas soluções colineares (de EULER) os três corpos mantêm-se sempre colineares, e as soluções geométricas são constituídas por três cónicas semelhantes ou por três semirectas. Nas soluções equiláteras (de LAGRANGE) os três corpos encontram-se sempre nos vértices de um triângulo equilátero e as soluções geométricas são novamente constituídas por três cónicas semelhantes ou por três semirectas.

Na realidade as soluções geométricas de Euler e de Lagrange não ``ignoram'' totalmente o modo como a curva é percorrida. Elas ``sabem'' que os corpos nunca invertem o sentido do movimento em torno de um dos focos da cónica e que as suas velocidades angulares são maiores quando os corpos estão mais perto desse foco (consequências da Segunda Lei de KEPLER - ver apêndice A).






Formulação matemática do problema dos três corpos

Para formularmos as equações diferenciais que regulam o movimento dos três corpos comecemos por introduzir algumas notações. Designemos por $m_{1},m_{2}$ e $m_{3}$ as massas dos três corpos e por $O$ um ponto arbitrário do espaço onde os corpos se movem. Denotemos por $\vec{r}_{1}(t), \vec{r}_{2}(t)$ e $\vec{r}_{3}(t)$ os vectores de posição dos corpos em $O$ no instante $t$. Então a força de atracção Newtoniana exercida no corpo $i$ pelo corpo $j$ é:


\begin{displaymath}

onde $r_{ij}$ designa a distância entre os corpos, $\vec{e}_{ij}$ é o versor da recta que os une dirigido do corpo $i$ para o corpo $j$ e $G$ é a constante de gravitação universal. A força exercida no corpo $j$ pelo corpo $i$ é $-F_{ij}$.

Assumiremos que os corpos nunca chocam, ou seja, que em qualquer instante $t$ teremos sempre $r_{ij}(t)>0$, para $i\neq j$.

A segunda lei de Newton afirma que as equações diferenciais satisfeitas pelos vectores $\vec{r}_{i}(t)$ são:


\begin{displaymath} (1)

onde $\ddot{\vec{r}}$ designa a segunda derivada de $\vec{r}$ em ordem a $t$. São estas nove equações diferenciais que regulam o movimento dos três corpos.

Se pretendermos estudar o problema planar dos três corpos então cada um dos vectores $\vec{r}_{i}(t)$ terá somente duas coordenadas e teremos seis equações diferenciais para o movimento.






O centro de massa do sistema

O centro de massa do sistema dos três corpos é o ponto $C$ cujo vector de posição em $O$ é:


\begin{displaymath}

Obviamente o centro de massa do sistema não depende da escolha do ponto $O$. Além disso o centro de massa do sistema tem movimento rectilíneo e uniforme (basta somar as três equações diferenciais vectoriais em (1)).

Podemos então assumir que o centro de massa do sistema dos três corpos está ``parado'' e tomá-lo para origem $O$ do referencial. Com esta escolha da origem teremos sempre a identidade:


\begin{displaymath} (2)





Mudança de variável

Consideremos as novas variáveis:


\begin{displaymath}\vec{s}_{1}=\vec{r}_{3}-\vec{r}_{2},\quad \vec{s}_{2}=\vec{r}_{1}-\vec{r}_{3}, \quad \vec{s}_{3}=\vec{r}_{2}-\vec{r}_{1}.\end{displaymath}

Por outras palavras $\vec{s}_{1}$ é o vector que une os corpos 2 e 3 (aplicado em $O=C$), $\vec{s}_{2}$ é o vector que une os corpos 3 e 1 e $\vec{s}_{3}$ é o vector que une os corpos 1 e 2.

Facilmente se conclui que:


\begin{displaymath} (3)


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e que os vectores $\vec{r_{i}}$ se obtêm dos vectores $\vec{s_{j}}$ pelas relações:


\begin{displaymath} (4)

onde $M=m_{1}+m_{2}+m_{3}$ é o que chamaremos de massa total. Além disso, nas variáveis $\vec{s}_{1}, \vec{s}_{2}$ e $\vec{s}_{3}$ as equações (1) são simplesmente:


\begin{displaymath} (5)

onde $s_{i}$ é a norma de $\vec{s}_{i}$ e:


\begin{displaymath} (6)

As equações (5) formam um conjunto de nove equações diferenciais de segunda ordem.

No tratamento do problema planar dos três corpos teremos apenas seis equações diferenciais já que que cada $\vec{s}_{i}$ terá somente duas coordenadas. As soluções que descreveremos adiante serão soluções do problema planar.






Soluções de Euler

A ideia de EULER foi procurar soluções das equações diferenciais (1) para as quais os corpos se mantivessem sempre colineares.

Em termos dos vectores $\vec{s}_{i}$ procuremos então soluções colineares das equações (5). Permutando se necessário os índices 1, 2 e 3, podemos assumir que o terceiro corpo está entre o primeiro e o segundo (note-se que estamos a assumir a não existência de choques). Neste caso procuramos soluções de (5) da forma:


\begin{displaymath} (7)

onde $\lambda$ é uma função positiva de $t$.

Derivando a segunda equação de (7) duas vezes, substituindo na segunda equação de (5) e comparando com a primeira daquelas equações conclui-se que deverá ter lugar a seguinte igualdade:


\begin{displaymath} (8)

onde $k(t)$ é uma função de $t$ envolvendo a função $\lambda$ e as constantes $G,m_1,m_2$ e $m_3$.

A igualdade (8) por sua vez implica uma de duas igualdades:

  1. $\dot{\lambda}=0$, i.e., a função $\lambda$ é constante;

    ou

  2. $\dot{\vec{s}}_1= c(t)\vec{s}_1$, onde $c(t)$ é uma função de $t$.

Assumamos de momento que a primeira destas igualdades não se verifica. Em tal caso deverá verificar-se a segunda igualdade pelo que o vector $\vec{s}_1(t)$ é necessariamente da forma:

\begin{displaymath}\vec{s}_{1}(t)=a(t)\vec{s}_{1}(0)\end{displaymath}

onde $a(t)$ é uma função real positiva. Sendo assim teremos:

\begin{displaymath} (9)

Substituindo em (4) para recuperar os vectores de posição $\vec{r}_i(t)$, facilmente se conclui que (9) implica que os três corpos se movem sempre sobre a mesma recta.

Passemos então às soluções colineares das equações (5) para as quais $\lambda$ é constante. São estas soluções que são conhecidas por soluções de EULER. Teremos então:

\begin{displaymath} (10)

onde $\lambda$ é agora um número real positivo. Derivando (10) duas vezes, substituindo em (5) e igualando, conclui-se que $\lambda$ deverá ser raíz positiva do polinómio de quinto grau:


$\displaystyle p(\lambda)$ $\textstyle =$ $\displaystyle (m_2+m_3)\lambda^5+(3m_2+2m_3)\lambda^4+(3m_2+m_3)\lambda^3-$ (11)
    $\displaystyle -(3m_1+m_3)\lambda^2-(3m_1+2m_3)\lambda-(m_1+m_3).$  

Sendo $p(0)<0$ e $p(\infty)>0$ o polinómio tem certamente uma raíz positiva. A unicidade da raíz positiva resulta da regra de sinais de DESCARTES que se pode encontrar por exemplo em:


Notemos que a referida raíz positiva existe e é única quaisquer que sejam os números positivos $m_{1},m_{2}$ e $m_{3}$.



Nota: Verifica-se facilmente que $p(1)=7(m_2-m_1)$. Assim, se $m_{1}=m_{2}$ então $p(1)=0$, i.e., $\lambda=1$ é a única raíz positiva de $p(\lambda)$. Neste caso, fazendo uso das equações (4), conclui-se facilmente que o terceiro corpo coincide com o centro de massa do sistema, mantendo-se pois ``parado'' durante todo o tempo.


Tendo concluído que $p(\lambda)$ tem necessariamente uma raíz positiva podemos regressar às equações (5). Multiplicando a primeira destas equações por $m_3$, a terceira por $m_1$, subtraindo e usando (10), obtemos a equação diferencial a ser satisfeita por $\vec{s}_{1}(t):$


\begin{displaymath} (12)

Esta equação diferencial descreve o movimento de um corpo de massa 1 no problema de KEPLER (ver apêndice A). As soluções geométricas deste problema são bem conhecidas e classificam-se, em função da energia total $E$ e do vector momento angular $\vec{M}$ de (12), em:

  1. semirectas, se $\vec{M}=0$;

  2. elipses, se $\vec{M}\neq 0$ e $E<0$;

  3. parábolas, se $\vec{M}\neq 0$ e $E=0$;

  4. ramos de hipérbole, se $\vec{M}\neq 0$ e $E>0$.

A semirecta tem origem em $O$ e cada uma destas cónicas tem um foco em $O$.






Animação das soluções de EULER

Concluiu-se que, dados três corpos de massas arbitrárias $m_{1}$, $m_{2}$ e $m_{3}$, existe um único número positivo $\lambda$ tal que, para qualquer solução $\vec{s}_{1}(t)$ do problema de KEPLER, se tem que:


\begin{displaymath}\vec{s}_1(t), \quad \vec{s}_2(t)=\lambda\vec{s}_1(t), \quad \vec{s}_3(t)=-(1+\lambda) \vec{s}_1(t)\end{displaymath}

satisfazem as equações (5). Usando (4) para recuperar os vectores $\vec{r}_i(t)$ obtêm-se soluções colineares do problema dos três corpos ou, equivalentemente, de (1).

As três animações que apresentamos a seguir foram obtidas com:

\begin{displaymath}m_{1}:m_{2}:m_{3}=1:2:3\end{displaymath}

(o que produz $\lambda\approx 0.89$) e usando para $\vec{s}_1(t)$, respectivamente, solução circular, solução elíptica não circular e solução parabólica de (12). Cada um dos três corpos descreve uma cónica sendo o centro de massa do sistema o foco comum às três cónicas.

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A título de curiosidade incluimos também a animação obtida quando $m_{1}=m_{2}$ (o que dá $\lambda=1$) e com movimento elíptico de $\vec{s}_{1}$. Como previsto o terceiro corpo mantém-se parado durante o processo.

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Soluções de LAGRANGE

Procuremos agora soluções de (5) que verificam $\vec{s}_{T}(t)=\vec{0}$ em qualquer instante $t$. Usando a identidade (3) juntamente com a propriedade pretendida facilmente se conclui que tem necessariamente lugar uma das duas afirmações:

  1. $\vec{s}_{1}(t), \vec{s}_{2}(t)$ e $\vec{s}_{3}(t)$ são colineares (o que nos leva às soluções de EULER );
  2. $s_{1}(t)=s_{2}(t)=s_{3}(t)$ em qualquer instante $t$.

As soluções (que verificaremos existirem!) satisfazendo a segunda destas condições, serão chamadas de soluções equiláteras e foram descobertas por LAGRANGE.

Tal condição indica precisamente que, em cada instante, os três corpos se situam sobre os vértices de um triângulo equilátero. Tal triângulo, no entanto, varia com $t$ em tamanho e posição.

Na realidade é surpreendentemente fácil mostrar que existem soluções equiláteras. Pela própria condição de equilateralidade as equações (5) reduzem-se a três problemas de KEPLER ``iguais'':


\begin{displaymath}\left \{ \begin{array}{lll} \ddot{\vec{s}}_1 & = & {\displays...

Estes três problemas de KEPLER, aparentemente independentes, são na realidade dependentes por via da condição de equilateralidade. De facto, conhecido $\vec{s}_{1}(t)$, necessariamente $\vec{s}_{2}(t)$ e $\vec{s}_{3}(t)$ se obtêm de $\vec{s}_{1}(t)$ rodando, respectivamente, de $2\pi/3$ e $4\pi/3$ em torno de $O$.






Animação das soluções de LAGRANGE

Concluiu-se então que, dados três corpos de massas arbitrárias $m_{1},m_{2}$ e $m_{3}$, e uma solução arbitrária $\vec{s}_{1}(t)$ do problema de KEPLER, os vectores $\vec{s}_{2}(t)$ e $\vec{s}_{3}(t)$ que se obtêm de $\vec{s}_{1}(t)$ rodando, respectivamente, de $2\pi/3$ e $4\pi/3$ em torno de $O$, constituem, juntamente com $\vec{s}_{1}(t)$ uma solução de (5) com a propriedade $s_{1}(t)=s_{2}(t)=s_{3}(t)$.

Para cada uma destas soluções de (5) recuperamos os vectores $\vec{r}_{i}(t)$ através de (4) e obtemos uma solução equilátera do problema dos três corpos.

Seguem-se duas animações destas soluções no caso da razão das massas ser $m_{1}:m_{2}:m_{3}=1:2:3$, e $\vec{s}_{1}$ descrever, respectivamente, uma elipse e uma parábola. Novamente cada um dos três corpos descreve uma cónica sendo o centro de massa do sistema o foco comum das três cónicas.


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Coreografias

Chama-se coreografia do problema dos três corpos a uma solução do problema dos três corpos tal que os três corpos se movimentam sobre uma mesma curva plana (curva base), sem choques.

A título de exemplo, e usando as soluções de LAGRANGE, consideremos a animação obtida com $m_{1}=m_{2}=m_{3}$ e uma solução geométrica circular $\vec{s}_{1}$ do problema de KEPLER. Obtemos claramente uma coreografia dos três corpos em que a curva base é uma circunferência.

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A solução de MONTGOMERY, cuja existência foi estabelecida por métodos variacionais, é também uma coreografia e foi obtida também para o caso de massas iguais: $m_{1}=m_{2}=m_{3}$. A curva base desta coreografia é a chamada figura oito, cujo gráfico é análogo ao símbolo $\infty$. Animações desta coreografia podem ser visualisadas por exemplo em:




Apêndice:




 

 


O Problema de KEPLER

Neste apêndice pretendemos estudar as soluções geométricas do problema de KEPLER. Este problema pode ser descrito como o estudo do movimento de um corpo de massa $m$ sobre o qual actua uma força de atracção Newtoniana.

Por exemplo este é o problema associado ao movimento de um planeta em torno do Sol se desprezarmos o efeito dos outros planetas sobre ele. É também o caso do movimento de um satélite em órbita em torno da Terra se desprezarmos o efeito da Lua sobre ele.

Escolhendo para origem do sistema de coordenadas, $O$, o centro de atracção (o centro do Sol ou o centro da Terra nos exemplos citados) e denotando por $\vec{r}(t)$ o vector de posição do corpo de massa $m$ em relação a $O$, a segunda lei de Newton dá-nos a equação diferencial satisfeita por $\vec{r}(t)$:


\begin{displaymath} (13)

onde $k$ é um número real positivo, $r$ é a distância do corpo a $O$ e $\vec{e}_{r}$ é o versor da direcção $\vec{r}$ dirigido de $O$ para o corpo. Nos exemplos acima citados a constante $k$ toma o valor $GMm$, onde $G$ é a constante de gravitação universal e $M$ é a massa do Sol ou da Terra.




Leis de conservação

Na realidade prova-se facilmente que o movimento do corpo tem sempre lugar num plano que contém $O$. Esta é a primeira consequência da chamada Lei de Conservação do Momento Cinético (ou Angular), cujo enunciado é o seguinte:
 

Teorema 1   Seja $\vec{r}(t)$ uma solução de (13). Então o vector $\vec{M}=m\vec{r}(t)\times \dot{\vec{r}}(t)$ é constante ao longo do tempo.

 
Ao vector $\vec{M}$ chama-se vector momento cinético do sistema. Esta lei de conservação tem duas consequências importantes:
  1. qualquer solução de (13) permanece, para todo o tempo, no plano ortogonal ao vector $\vec{M}$ por $O$ (em particular o movimento é plano);
  2. se $r,\theta$ forem coordenadas polares (em $O$) no plano do movimento então a quantidade $M=mr(t)^{2}\dot{\theta}(t)$ é constante ao longo do movimento.

Nota: A quantidade $M$ coincide com a norma de $\vec{M}$ se $\dot{\theta}(t)\geq 0$ e com o seu simétrico se $\dot{\theta}(t)<0$.


A segunda consequência é geralmente conhecida como Segunda Lei de KEPLER e garante que:

  • $\dot{\theta}(t)$ nunca muda de sinal (em particular o corpo movimenta-se sempre no sentido horário relativamente a $O$ se $M<0$, sempre no sentido anti-horário se $M>0$ e sobre uma semirecta com origem em $O$ se $M=0$);
  • quanto mais perto o corpo está do ponto $O$ maior é a sua velocidade angular (em particular o corpo ``passa menos tempo'' em pontos mais próximos de $O$).

A segunda lei de conservação, a Lei de Conservação da Energia, permite, em conjunto com a Segunda Lei de KEPLER, obter uma relação entre as coordenadas $r(t)$ e $\theta(t)$, conduzindo assim às soluções geométricas do problema de KEPLER.

 Teorema 2   Seja $\vec{r}(t)$ uma soluçao de (13) e $r(t)$ a sua norma. Então a quantidade: $E=\frac{m}{2}\dot{r}^2(t)-\frac{k}{r(t)}+\frac{M}{2mr^2(t)}$ é constante ao longo do tempo, onde $M=mr^2(t)\dot{\theta}(t)$

 
À função $E$ chama-se energia total do sistema.



Soluções geométricas do problema de Kepler

Combinando a Lei de Conservação da Energia com a Segunda Lei de KEPLER obtem-se facilmente a seguinte relação:


\begin{displaymath}\frac{{\mbox d} \theta}{{\mbox d} r}=\frac{\dot{\theta}}{\dot{r}}= \frac{M}{r^2\sqrt{2Em+\frac{2mk}{r}-\frac{M^2}{r^2}}}.\end{displaymath}

Integrando em ordem a $r$ obtem-se a relação pretendida:


\begin{displaymath} (14)

onde $p=\frac{M^{2}}{mk}$ e $e=\sqrt{1+\frac{2EM^{2}}{mk^{2}}}$.

Recordemos que, se $M=0$ então o corpo move-se numa semirecta passando por $O$.

Se $M\neq0$ então a relação (14) reescreve-se como:


\begin{displaymath}

que é precisamente a equação focal de uma cónica de parâmetro $p$ e excentricidade $e$. Por outras palavras, o corpo descreve uma cónica em que um dos focos é o ponto $O$. Tal cónica será uma:

  1. elipse se $e<1$, ou seja, se $E<0$;

  2. parábola se $e=1$, ou seja, se $E=0$;

  3. hipérbole se $e>1$, ou seja, se $E>0$.





Bibliografia

  1. V. Arnold, Mathematical Methods of Classical Mechanics, Springer-Verlag, New York, 2nd edition (1989).
  2. D. Hestenes, New Foundations for Classical Mechanics, D. Reidel Publishing Company (1986).
  3. A. Chenciner and R. Montgomery, A remarkable periodic solution of the three-body problem in the case of equal masses. Annals of Mathematics, 152 (2000), 881-901.






Footnotes

... Corpos1
Trabalho realizado no âmbito do projecto Novos Talentos em Matemática da Fundação Calouste Gulbenkian
... Cruz2
As autoras agradecem a João Nuno Tavares pelo apoio nas animações com o programa Cinderella