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Sistemas de Votação
António Machiavelo
Centro de Matemática da Universidade do Porto
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O Problema...
Contexto: um certo número de pessoas, os eleitores, têm de escolher de um modo democrático um de entre vários candidatos ou uma de entre várias alternativas.
Suposição: cada eleitor fornece uma lista (o seu boletim de voto ou lista de preferências) dessas alternativas, ordenadas de acordo com a sua ordem de preferência.
Problema: arranjar um processo, método ou algoritmo, um sistema eleitoral ou de votação, que decida, a partir do conjunto das listas de preferência, a que se chama o perfil eleitoral, uma ordenação das alternativas que reflicta o melhor possível as preferências dos eleitores.
Exemplo:
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História...
Jean Charles de Borda (1733-1799)
(dinâmica de fluidos, cálculo variacional, navegação, geodesia, sistema métrico, oficial da marinha...)
Observação de 16 de Junho de 1770... (publicada em 1784 com data de 1781...)
Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, marquês de Condorcet (1743-1794)
(teoria das probabilidades, cálculo diferencial e integral, cargos políticos...)
Crítica sistema de Borda
em 1785...
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Exemplos Reais...
Eleição presidencial francesa de 2002 (1ª volta / 2ª volta)
Little Fighter 2 ...
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Sistemas...
Sistema Uninominal: A ordenação das alternativas é feita contando, para cada uma, o número de boletins de voto em que esta ficou colocada em primeiro lugar, e as alternativas são ordenadas por ordem crescente do correspondente número de votos obtidos.
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Contagem de Borda: A cada posição do boletim de voto é atribuido
um número de pontos: 0 para a última, 1 para a penúltima,
etc..., adicionando-se 1 ponto quando se passa de uma posição
para a imediatamente acima. Os pontos "ganhos" por cada alternativa são
totalizados, e as alternativas são ordenadas por ordem crescente de
pontos obtidos.
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Sistema de Hare: Elimina(m)-se, em eleições sucessivas, a(s) alternativa(s) com o menor número de primeiros lugares, sendo as alternativas ordenadas por ordem inversa de eliminação.
Sistema Sequencial aos Pares com Agenda: Depois de acordada uma ordenação preliminar das alternativas, a que se chama uma agenda consideram-se os resultados de eleições de pares de alternativas, pela ordem dada na agenda, eliminando as derrotadas da agenda e prosseguindo até a agenda conter apenas um elemento. As alternativas são finalmente ordenadas por ordem inversa de eliminação da agenda.
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Um Exemplo...
Considere-se o seguinte perfil
eleitoral de uma eleição envolvendo 30 eleitores e 4 alternativas:
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Na tabela seguinte indicam-se,
para este perfil, as ordenações finais para cada um dos sistemas
eleitorais acima descritos:
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Deste exemplo se conclui que o resultado de uma eleição pode depender bastante do sistema eleitoral usado !
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Condições...
As condições seguintes parecem (à primeira vista...) ser imprescindíveis para que um sistema de votação democrático traduza as preferências dos eleitores.
Condição de Pareto (ou de unanimidade): Se a alternativa X ficou colocada acima da alternativa Y em todos os boletins de voto então na lista final deve ter-se X>Y. #ExI
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Critério do Vencedor de Condorcet (CVC): Se existir um vencedor de Condorcet, este deve ser o vencedor da eleição.
Monotonia: Se de uma eleição para outra, envolvendo os mesmos eleitores e os mesmos candidatos, a posição de um dos candidatos for alterada, em um ou mais boletins de voto, mas sempre a favor desse candidato, então a sua posição na ordenação final não deve ser inferior à posição em que ficou colocado na primeira eleição. #ExII
Independência das Alternativas Irrelevantes (IAI): Se em duas eleições distintas, envolvendo os mesmos eleitores e os mesmos candidatos, a ordem relativa de dois dos candidatos não foi alterada em nenhum boletim de voto, então a ordem relativa desses mesmos candidatos no resultado final deve ser a mesma. #ExIII
Simetrias:
Igualdade (ou Anonimato): Permutar as listas de preferência, sem as alterar, não deve ter nenhum efeito no resultado da eleição.
Neutralidade: Se todos os eleitores cometerem o erro de trocar as alternativas
X e Y, então basta trocar X com Y no resultado final para corrigir
o erro.
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Mais Exemplos...
I. O Sistema Sequential aos Pares com Agenda não satisfaz a condição de Pareto!
Exemplo:
Considere-se o seguinte perfil
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com agenda: ABCD.
Tem-se: ABCD --> ACD --> CD --> D ~~~~~~> D > C > A > B
D é o vencedor apesar
de todos os eleitores preferirem B a D !
II. O Sistema de Hare não satisfaz a condição de Monotonia!
Exemplo:
Considere-se o seguinte par de
eleições, em que na segunda delas 3 dos eleitores alteram
os seus boletins de voto de B > A > C para A > B > C, uma mudança
favorável a A, enquanto os outros eleitores não alteram as
suas listas de preferências.
1ª
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eleição |
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Resultados:
1ª volta:
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1ª volta:
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2ª volta:
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2ª volta:
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III. A contagem de Borda não satisfaz IAI.
Considere-se o seguinte par de
eleições, em que alguns dos eleitores (4) mudam a sua lista
de preferências, mas ninguém altera a posição
relativa de A versus B.
1ª
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eleição |
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2ª
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eleição |
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Resultados:
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Tem-se:
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Uninominal |
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Borda |
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Hare |
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Seq. Pares c/ agenda |
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O Teorema de Arrow...
Em 1951, Kenneth
Arrow (prémio Nobel da Economia em 1972) provou o seguinte resultado:
Teorema: Não existe
nenhum sistema de votação que satisfaça simultaneamente
as condições de Pareto, IAI e igualdade!
Ideia da demonstração:
Pareto + IAI => existência de um ditador...
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IAI não é realista...
O seguinte resultado, que pode ser usado para provar o teorema de Arrow (ver [Ta95]), põe em evidência o facto de que a condição IAI é demasiado "forte".
Teorema: Quando o número de candidatos (ou alternativas) é igual ou superior a 3, qualquer sistema que satisfaça as condições IAI e Pareto é um sistema que não admite empates.
Demonstração:
Suponhamos que tal não acontecia, ou seja que existia um perfil para o qual há duas alternativas, X e Y, que resultam empatadas:
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Seja Z uma terceira alternativa
qualquer (cuja existencia é garantida por uma das hipóteses
feitas). Uma vez que o sistema satisfaz IAI e a condição de
Pareto, resulta que se, numa nova eleição, os eleitores com
X > Y colocassem Z entre X e Y, enquanto que aqueles com X < Y colocassem
Z acima de Y, ter-se-ia:
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Z>X ... |
Agora, se todos os eleitores
trocarem Y com Z, o que não altera as posições relativas
de X vs. Y e de X vs. Z...
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Z>Y... |
o que contradiz a hipótese de o sistema verificar a condição de Pareto.
Em particular, resulta que um sistema que satisfaça
IAI e a condição de Pareto desempataria o perfil completamente
empatado:
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o que mostra que a condição IAI faz autênticos milagres !...
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O Critério de Condorcet não é
inquestionável...
Saari, em [Sa97], dá um
exemplo semelhante ao que se segue, mostrando que o vencedor de Condorcet
não é invariante para a "adição de empates".
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Isto mostra que a condição
CVC não é tão indiscutívelmente razoável
quanto possa parecer numa primeira análise...
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Bibliografia
[Ar63] Kenneth J. Arrow, Social Choice and Individual Values, Yale University Press, 1963 (2ª edição) [original: 1951].
[Sa91] Donald G. Saari, A Fourth Grade Experience, CiteSeer 1991(?).
[Sa95] ______________, Basic Geometry of Voting, Springer-Verlag, 1995.
[Sa97] ______________, The Symmetry and Complexity of Elections, Complexity 2 (1997) 13--21.
[Sa99] ______________, Explaining all three-alternative voting outcomes, Journal of Economic Theory 87 (1999) 313--335.
[Sa00i] ______________, Mathematical structure of voting paradoxes I: pairwise voting, Economic Theory 15 (2000) 1--53.
[Sa00ii] ______________, Mathematical structure of voting paradoxes II: positional voting, Economic Theory 15 (2000) 55--101.
[SV98] ______________ and F. Valognes, Geometry, Voting, and Paradoxes, Mathematics Magazine 71 (1998) 243--256.
[Ta95] Alan D. Taylor,
Mathematics and Politics, Springer-Verlag, 1995.
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