Sobre o Teorema de Gauss-Bonnet
Geometria e Topologia

João Nuno Tavares
O Teorema
 de Gauss-Bonnet
para Poliedros




 Topologia

Consideremos superfícies poliedrais $S$, construídas colando triângulos planos pelas respectivas arestas.
O único invariante topológico é a característica de Euler $\mathcal{X}(S)$, que se define por:

\begin{displaymath}\mathcal{X}(S)=V-A+F\end{displaymath}

onde $V,A$ e $F$ são, respectivamente, o número de vértices, arestas e faces de uma qualquer triângulação de $S$Ao número $g$ definido por:
\begin{displaymath}\mathcal{X}(S)=2-2g\end{displaymath}
chama-se o género de $S$ (intuitivamente é igual ao número de buracos de $S$).
 


            X(M) = 2 , g = 0
            X(M) = 0 , g = 1                X(M) = -2 , g = 2
                     

     


 




     
 
     Geometria

Consideremos agora um vértice $v$ na superfície poliedral $S$ e as faces $F_1,\cdots,F_m$, que incidem em $v$. Seja ${\theta}_i(v)$ o ângulo interno de $F_i$ em $v$. Define-se então a curvatura de Gauss em $v$, através de:

\begin{displaymath}K(v)=2\pi-\sum_{i=1}^m{\theta}_i(v)\end{displaymath}
 


Um vértice $v$ diz-se:

  • Euclideano, se $K(v)=0$            
  • esférico, se $K(v)>0$
  • hiperbólico, se $K(v)<0$





Teorema de Gauss-Bonnet poliédrico

\begin{displaymath}K(S)=\sum_{v\in V}K(v)=2\pi\,\mathcal{X}(S)\end{displaymath}


Vejamos alguns exemplos:




No poliedro seguinte, homemorfo a um cubo (ou uma esfera) e portanto com $\mathcal{X}(S)=2$, temos $8$ vértices esféricos com curvatura $\pi/2$, $2$ vértices esféricos com curvatura $\pi/3$ e $2$ vértices hiperbólicos com curvatura $-\pi/3$ e todos os outros Euclideanos com curvatura 0. Portanto:

$\displaystyle K(S)=8\frac{\pi}{2}+2\frac{\pi}{3} -2\frac{\pi}{3}=4\pi=2\pi \mathcal{X}(S)$



No toro poliédrico temos $8$ vértices esféricos com curvatura $\pi/2$, $8$ vértices hiperbólicos com curvatura $-\pi/2$, e todos os outros Euclideanos com curvatura 0. Portanto:

$\displaystyle K(S)=8\frac{\pi}{2}-8\frac{\pi}{2}=0=\mathcal{X}(S)$






O Teorema
 de Gauss-Bonnet
para  Superfícies





Paralelismo numa superfície

Uma estrutura de paralelismo numa superfície $S$, é uma família de aplicações $ {\rm I\!P}=\{{\rm I\!P}_{{ \alpha};p,q}\}$:

$\displaystyle {\rm I\!P}_{{ \alpha};p,q}:T_pS\to T_qS$
onde $p,q\in S$e ${ \alpha}:I=[0,1]\to S$é uma curva suave por pedaços tal que ${ \alpha}(0)=p$ e ${ \alpha}(1)=q$.

Exigimos além disso que $ {\rm I\!P}$ satisfaça certas condições naturais. Por exemplo, cada $ {\rm I\!P}_{{ \alpha};p,q}$ deverá ser um isomorfismo linear; se $S$ tem uma métrica Riemanniana $ {\bf g}$ e uma orientação é natural exigir que cada $ {\rm I\!P}_{{ \alpha};p,q}$ seja uma isometria linear positiva. Por outro lado devemos impôr que $ {\rm I\!P}_{{ \alpha};p,q}$ não dependa da parametrização de ${ \alpha}$, que se comporte de forma natural relativamente à justaposição de curvas e ainda que verifique certas propriedades de diferenciabilidade. Mas note que não há qualquer motivo para que $ {\rm I\!P}_{{ \alpha};p,p}=$Id, quando ${ \alpha}$ é um lacete baseado em $p$ (não reduzido a $p$)!



Paralelismo numa superfície,
expresso num gauge local

Seja $ {\bf e}=[E_1 \ \ E_2]$ um referencial móvel ortonormado positivo (gauge local), definido num aberto $U\subseteq S$. Então em $U$, cada espaço tangente $T_pS$ fica identificado com $ {\rm I\!R}^2$, através do isomorfismo $ {\bf e}_p:{\rm I\!R}^2\to T_pS$ que envia a base canónica de $ {\rm I\!R}^2$ na base $[E_1(p)   E_2(p)]$ de $T_pS$.
Portanto o paralelismo $ {\rm I\!P}$ é descrito, relativamente ao gauge local $ {\bf e}$ em $U$, através de uma família de isometrias lineares positivas $ \{{{\rm I\!P}}^{({\bf e})}_{{ \alpha};p,q}\}$, de $ {\rm I\!R}^2$, definidas através do diagrama seguinte:


\begin{displaymath}\begin{array}{ccc} T_pM & \stackrel{{\rm I\!P}_{{ \alpha};p,q...
...!-\!\!\!-\!\!\!-\!\!\!-\!\!\! \,$}} & {\rm I\!R}^2
\end{array}\end{displaymath}
isto é:

$\displaystyle \framebox{$\, {{\rm I\!P}}^{({\bf e})}_{{ \alpha};p,q}={\bf e}_q^{-1}\,
{\rm I\!P}_{{ \alpha};p,q}\, {\bf e}_p:\,{\rm I\!R}^2\to{\rm I\!R}^2$}$





Paralelismo de Levi-Civitá

Rolamento de uma superfície num plano

Geodésicas
Numa superfície $S$ não existe paralelismo canónico. No entanto, quando $S$ está mergulhada em $ {\rm I\!R}^3$ existe um processo cinemático de definir um paralelismo em $S$, a que chamámos paralelismo de Levi-Civitá, e que intuitivamente é fácil de compreender, através do rolamento sem deslize nem torção da superfície num dos seus planos afins tangentes.

Um geodésica em
$S$ é uma curva em $S$, cuja imagem pelo rolamento de $S$ sobre o plano $ \Pi$, é uma linha recta de $ \Pi$.







Sendo assim é fácil definir o transporte paralelo de um vector $ V_o$, tangente a $S$ em $ o\in S$, ao longo de uma geodésica ${ \alpha}$ - o ponto de aplicação do vector move-se ao longo de ${ \alpha}$, e o vector move-se no plano tangente, de tal forma que o ângulo que faz com o vector tangente a ${ \alpha}$, bem como o seu comprimento, se mantêm constantes.

Ao longo de uma curva quebrada (contínua), constituída por vários arcos geodésicos, o transporte paralelo de um vector $ V_o$, faz-se transportando-o sucessivamente de vértice em vértice, ao longo de cada arco geodésico.


Transporte paralelo ao longo de um paralelo na esfera
 

Transporte paralelo ao longo de um triângulo geodésico esférico

Na figura seguinte, ilustra-se o transporte paralelo do vector $ E_2$, ao longo de um triângulo geodésico $ {\mathscr{T}}$, na esfera $ \bf S^2$. O ângulo (orientado) de rotação, relativamente a $ E_1$ é igual a $\pi/2$. Por outro lado:

  • o excesso de $ {\mathscr{T}}$ é:
    $\displaystyle {\mathscr{E}}({\mathscr{T}})$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \{{\hbox{soma dos \^angulos internos}}\}-\pi$  
      $\displaystyle =$ $\displaystyle 3\frac{\pi}{2}-\pi$  
      $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{\pi}{2}$  

  • a área (esférica) de $ {\mathscr{T}}$ é igual a $ \frac{\pi}{2}$.
Portanto a curvatura de Gauss da esfera é $ K\equiv 1$.




Transporte paralelo ao longo de um triângulo geodésico hiperbólico

No applet seguinte ilustra-se o transporte paralelo ao longo de um triângulo geodésico $ {\mathscr{T}}$, no semi-plano de Poincaré:

$\displaystyle {\mathscr{H}}^+=\{(x,y)\in {\rm I\!R}^2:\, y>0\}$
com a métrica:
$\displaystyle ds^2=\frac{1}{y^2}(dx^2+dy^2)$
O ângulo (orientado) de rotação, relativamente a $ E_1$ é igual a $ -21.5^o$. Por outro lado:
  • o excesso de $ {\mathscr{T}}$ é:
    $\displaystyle {\mathscr{E}}({\mathscr{T}})$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \{{\hbox{soma dos \^angulos internos}}\}-\pi$  
      $\displaystyle =$ $\displaystyle (158.5 -180)\frac{\pi}{180}$  
      $\displaystyle =$ $\displaystyle -21.5 \frac{\pi}{180}$  

  • a curvatura de Gauss do semi-plano de Poincaré $ K\equiv
-1$.
Portanto a área (hiperbólica) de $ {\mathscr{T}}$ é igual a
$\displaystyle {\mathscr{A}}({\mathscr{T}})=21.5 \frac{\pi}{180}$
Por favor habilite Java para uma construção interativa (com Cinderella).


Fórmula de Gauss-Bonnet
para triângulos geodésicos

Estes dois exemplos ilustram a seguinte Fórmula de Gauss-Bonnet:

$\displaystyle {\hbox{Holonomia de ${\mathscr{T}}$}}$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \int_{{\mathscr{T}}}K\, dA$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle 2\pi-\{{\hbox{soma dos \^angulos externos}}\}$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle \{{\hbox{soma dos \^angulos internos}}\}-\pi$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle {\hbox{Excesso de ${\mathscr{T}}$}}\, =\, {\mathscr{E}}({\mathscr{T}})$  

Eis algumas consequências:

  • No plano Euclideano, a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a $ \pi$.
  • Na esfera $ \bf S^2$, a soma dos ângulos internos de um triângulo é $ >\pi$.
  • No semi-plano de Poincaré $ {\mathscr{H}}^+$, a soma dos ângulos internos de um triângulo é $ <\pi$

    

Curvatura de Gauss

Consideremos agora um ponto $ p\in S$, um pequeno disco $ {\mathscr{D}}_{ \epsilon}$, de raio $ { \epsilon}$, centrado em $p$, e a holonomia ao longo do bordo (orientado) $ \partial{\mathscr{D}}_{ \epsilon}$. A curvatura de Gauss $ K(p)$, de $S$ em $p$, define-se como o limite:

$\displaystyle K(p)=\lim_{{ \epsilon}\to 0}\frac{ {\hbox{Holonomia de ${\mathscr{D}}_{ \epsilon}$}}}{ {\hbox{\'Area de ${\mathscr{D}}_{ \epsilon}$}}
}$


Teorema Global de Gauss-Bonnet

Seja $ S$ uma superfície orientável, compacta e sem bordo. Então:

$\displaystyle \framebox{$\,\int_S\,KdA=2\pi\, \mathcal{X}(S)\,$}$








Créditos

Latex2Html, Cinderella, Mathematica and liveGraphics3D
Página em construção. Responsável: João Nuno Tavares. Colaboração de Marta Brandão. Última actualização: 24/11/2004