Porquê espaços-tempo curvos?

Gravidade como curvatura

do espaço-tempo



Variando a aceleração de um observador num espaço-tempo plano, podemos, de acordo com o Princípio de Equivalência, imitar um qualquer campo gravitacional. Então porque necessitamos de espaços-tempo curvos ?

Quando discutimos o Princípio de Equivalência, suposemos que o campo gravitacional era uniforme, isto é, que relativamente a um observador de inércia, a aceleração de todos os corpos que caiem é sempre a mesma (em direcção e grandeza). No entanto isto não corresponde à realidade - é só uma aproximação. De facto, a aceleração devida à gravidade varia de ponto para ponto.


Efeitos
não locais



Consideremos as seguintes situações não locais:

S 1.
A caixa é colocada num foguetão longe da acção de qualquer campo gravitacional. O foguetão é acelerado para a frente com aceleração constante $ g$ relativamente a um observador de inércia. O astronauta larga dois corpos, de uma mesma altura, inicialmente em repouso, e vê esses corpos caiem no chão com aceleração $ g$ , paralelamente um ao outro:

Figura: O astronauta larga dois corpos, de uma mesma altura, inicialmente em repouso, e esses corpos cairem no chão com aceleração $ g$ , paralelamente um ao outro.
\begin{figure}\begin{center}\framebox{\epsfysize=5cm \epsfxsize=8cm

S 2.
Desligam-se os motores do foguetão de tal forma que agora a caixa desloca-se com movimento uniforme relativamente ao observador de inércia anterior. O astronauta larga os dois corpos e vê que eles flutuam, permanecendo em repouso relativamente a ele próprio:

Figura: O astronauta larga os dois corpos e vê que eles flutuam, permanecendo em repouso relativamente a ele próprio.

S 3.
A caixa é colocada na superfície da Terra. Ignoram-se os movimentos de rotação e orbital da Terra. O astronauta larga os dois corpos e vê esses corpos cairem em direcção ao centro da Terra, descrevendo trajectórias que convergem uma para a outra:

Figura: O astronauta larga os dois corpos e vê esses corpos cairem em direcção ao centro da Terra, descrevendo trajectórias que convergem uma para a outra.
\begin{figure}\begin{center}\framebox{\epsfysize=5cm \epsfxsize=8cm

S 4.
A caixa é colocada num poço terrestre e cai livremente em direcção ao centro da Terra. O astronauta larga os dois corpos e vê que eles flutuam, mas agora aproximando-se um do outro:

Figura: O astronauta larga os dois corpos e vê esses corpo flutuarem, mas agora aproximando-se um do outro.

Agora, o observador pode distinguir o campo uniforme da situação S1. do campo gravitacional terrestre não uniforme da situação S3.. Novamente, em queda livre, os corpos viajam em geodésicas que convergem (ou divergem) como na situação S4.



Efeitos
maré
 

Estes novos efeitos, chamados "efeitos maré" (tidal effects) da gravidade são provocados pela não uniformidade do campo gravitacional, que varia de ponto para ponto.

São, de facto, muito ténues quando analisados localmente. Por outras palavras, uma cápsula muito pequena em queda livre, num intervalo de tempo muito curto, é, em primeira aproximação, um referencial de inércia. Este referencial diz-se por isso um referencial local de inércia.

Na presença de um campo gravitacional, por exemplo, na presença de uma massa grande (Terra, Sol, ...), duas partículas teste que se movem com a mesma velocidade inicial ao longo de duas trajectórias espaciais próximas, em geral não continuam paralelas, mas aceleram gradualmente uma relativamente à outra, devido à não uniformidade do campo gravitacional.

Esta aceleração relativa de partículas em queda livre é completamente análoga à situação seguinte. Imaginemos dois viajantes que partem de dois pontos próximos $ A$ e $ B$ no equador da esfera, ambos em direcção ao pólo norte, ao longo de dois meridianos.

Figura 27

As trajectórias dos dois viajantes são inicialmente paralelas, mas aproximam-se gradualmente uma da outra até se encontrarem no pólo norte.


Equação do desvio geodésico


Seja $ { \alpha}(s)$a parametrizaçãode um dos meridianos, por comprimento de arco, com $ { \alpha}(o)=A$ , e seja $ \nu(s)$ a distância entre $ { \alpha}(s)$ e o outro meridiano, medida ao longo do paralelo que passa em $ { \alpha}(s)$. Então:

$\displaystyle \frac{d^2\nu}{ds^2}+\frac{\nu}{R^2}=0$ (28)

onde $ R$ é o raio da esfera. De facto, tem-se que:

$\displaystyle \nu(s)=\nu_o\cos(s/R)$
como é claro da figura 27.


Como $ 1/R^2$ é a curvatura de Gauss da esfera, podemos escrever:

$\displaystyle \framebox{$\,\frac{d^2\nu}{ds^2}+K{\nu} =0\,$}$ (29)

que se diz a equação de Jacobi (ou equação do desvio geodésico). De facto esta equação é válida para qualquer superfície, desde que definamos apropriadamente $ \nu(s)$ e onde a curvatura pode variar de ponto para ponto $ K=K({ \alpha}(s))$ .

Por favor habilite Java para uma construção interativa (com Cinderella).


Numa superfície de curvatura negativa, por exemplo, geodésicas inicialmente paralelas afastam-se uma da outra:

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Gravidade
como curvatura do
espaço-tempo



A analogia entre as duas situações referidas:

(i).
a aceleração relativa de partículas livres num campo gravitacional uniforme e
(ii).
a separação variável entre geodésicas próximas numa superfície curva

é mais do que uma pura coincidência.

Figure:
\begin{figure}\begin{center}\framebox{\epsfysize=8cm \epsfxsize=10cm


Partindo do seu Princípio de Equivalência, Einstein concluiu que gravidade não é uma força, como Newton julgava, mas sim curvatura do espaço-tempo. A fonte desta curvatura é matéria - um corpo material cria um campo gravitacional que deforma ou "curva" o espaço-tempo envolvente.




Generalizando a lei de inércia de Newton, que diz que partículas livres deslocam-se segundo geodésicas (linhas rectas) no espaço-tempo plano da Relatividade Restrita (gravidade zero = curvatura nula), Einstein afirma que partículas livres devem seguir geodésicas no espaço-tempo com curvatura. Portanto, todos os objectos materais, desde uma maçã até um planeta, movem-se ao longo de geodésicas do espaço-tempo, a menos que sejam impedidas por qualquer força exterior. O mesmo acontece com os raios de luz.

Consideremos o movimento de um planeta (a Terra, por exemplo) em volta do Sol. Duas explicações em confronto:


Newton
... De acordo com a segunda lei de Newton, a Terra não se move segundo uma trajectória rectílinea porque existe uma força que actua sobre ela - a força da atracção gravitacional criada pelo Sol. Esta força actua continuamente sobre a Terra e é a responsável pela trajectória elíptica da Terra.
Einstein
... A presença do Sol deforma o espaço-tempo, e este tem agora curvatura não nula. De acordo com o Princípio da Relatividade Geral, a Terra move-se segundo uma geodésica deste espaço-tempo curvo.


Vemos pois que, ao considerar o movimento dos corpos no espaço, e ao usar o tempo como uma entidade absoluta e independente, Newton teve que introduzir uma força para explicar o comportamento de uma massa teste junto de uma outra. Einstein não precisa de introduzir uma força para explicar isso. A explicação é puramente geométrica!

Figura





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