Relatividade Restrita - Uma introdução



III. Experiência de Michelson-Morley






Nos fins do século XIX, pensava-se que todas as formas de movimento ondulatório necessitavam de um meio, através do qual se propagariam as ondas. Por exemplo, uma onda sonora, que consiste de uma série de compressões e rarefações do ar, que se sucedem alternadamente, propaga-se através da transferência de energia de uma molécula de ar para uma próxima, na direcção do movimento da onda através do ar.

Quando Maxwell mostrou, em 1864, que a luz era um fenómeno electromagnético ondulatório, pensou-se num meio, a que se chamou o "éter", que suportaria a propagação dessas ondas.

Em 1881, numa experiência célebre, realizada por A. A. Michelson e, mais tarde, em 1887, por Edward Morley, tentou medir-se a velocidade do movimento relativo da terra relativamente ao éter - o referido meio imaterial hipotético, através do qual se propagariam as ondas electromagnéticas (luz). Baseia-se no princípio usual da adição de velocidades.

Antes de descrever a experiência de Michelson-Morley, vejamos uma analogia sugestiva.





Uma analogia:

Suponhamos que um barco navega num lago no qual lançamos uma pedra que provoca uma ondulação da água do lago.

Relativamente a um referencial fixo ao lago, as ondas movem-se com uma velocidade constante, igual a $ c$, em todas as direcções a partir do ponto de impacto da pedra.

Como é que um ocupante do barco poderá saber se este está ou não em repouso, relativamente ao lago? E como é que ele poderá medir  a velocidade $ V$ do barco (relativamente ao lago)?


Por favor habilite Java para uma construção interativa (com Cinderella).


 

 

  Para esse ocupante, a velocidade das ondas à sua volta, depende da direcção da trajectória do barco - as ondas que se movem na direcção do movimento do barco parecem mais lentas, enquanto as que se movem em direcção contrária parecem mais rápidas. Portanto, o ocupante do barco pode usar o movimento das ondas para detectar se o barco se move relativamente ao lago.

Se o ocupante vê que as ondas em diferentes direcções viajam todas à velocidade $ c$ , ele pode concluir que o barco está parado relativamente ao lago. No entanto, se ele vê que uma certa onda viaja com velocidade $ c-{V}$ e a onda, na direcção oposta, com velocidade $ c+{V}$ , ele conclui que o barco viaja com velocidade $ {V}$ relativamente ao lago e na direcção da primeira onda.

Na experiência de Michelson-Morley o barco é a terra, a água do lago o éter e as ondas são os raios luminosos.





Descrição da experiência de Michelson-Morley:


O objectivo da experiência é medir a velocidade da "corrente de éter" através do aparelho, chamado interferómetro de Michelson-Morley (ligado à terra) que se ilustra no appplett seguinte:

Por favor habilite Java para uma construção interativa (com Cinderella).

A analogia com o exemplo dos nadadores, que vimos na secção anterior, é flagrante - em vez dos nadadores usam-se dois feixes luminosos, e em vez das margens do rio, um conjunto de espelhos e um detector. A água é o hipotético éter.

Uma lâmpada $ F$ emite um feixe de luz monocromático que atinge um espelho semi-prateado $ P$ , inclinado, que reflecte cerca de metade da luz incidente e transmite a restante. O raio transmitido atinge um espelho reflector $ A$ e é reflectido de volta para $ P$ (o nadador $ 1$ ), onde é novamente parcialmente reflectido e finalmente atinge um detector $ D$ (o raio transmitido não tem interesse na experiência).

A parte reflectida do raio $ FP$ atinge um segundo espelho $ B$ onde é reflectido de volta para $ P$ (nadador $ 2$ ). A parte transmitida deste raio atinge o detector $ D$ juntamente com o raio que atravessou o outro trajecto. Os braços $ PA$ e $ PB$ têm o mesmo comprimento $ L$ , e o aparelho é montado sobre uma plataforma giratória.

Se a terra se move relativamente ao éter, ou, de forma equivalente, se existir uma "corrente de éter" que atravessa o aparelho, a velocidade da luz é diferente ao longo de cada um dos braços do aparelho. Como o primeiro segmento $ FP$ e o último $ PD$ são comuns a ambos os trajectos, a diferença é determinada pelos tempos $ {T}_1$ , do trajecto $ PAP$ (nadador $ 1$ ), e $ {T}_2$ do trajecto $ PBP$ (nadador $ 2$ ):


$\displaystyle {T}_1$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \hbox{tempo do percurso $PAP$}$  
$\displaystyle {T}_2$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \hbox{tempo do percurso $PBP$}$  


Por favor habilite Java para uma construção interativa (com Cinderella).

Note que $ {T}_1$ e $ {T}_2$ devem ser os mesmos em ambos os referenciais, o ligado à terra e o ligado ao éter - a coordenada temporal não se altera sob uma transformação de Galileu.

Se:

  • $ {T}_1-{T}_2=0$, nenhuma interferência é observada no detector.
  • $ {T}_1-{T}_2\neq 0$, observa-se interferência no detector.
Esta inteferência pode ser de dois tipos:

  • construtiva: 
  • destrutiva:  
e aparece sob a forma de um padrão de faixas alternadas brancas e pretas:

A largura de cada uma dessas faixas é igual ao comprimento de onda $ \lambda$ do sinal luminososo. A largura total do padrão é igual a:

$\displaystyle c({T}_1-{T}_2)=\hbox{dist\^ancia percorrida pelo sinal

Os cálculos são exactamente iguais aos que foram feitos no exemplo dos dois nadadores (feitos relativamente ao referencial $ {\mathscr{R}}$, ligado ao aparelho) e conduzem a (ver as fórmulas (10) e (8)):

$\displaystyle T_2-T_1$ $\displaystyle =$ $\displaystyle \hbox{Tempo do percurso  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{2L}{c}\left(\gamma^2-\gamma\right)$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{2L}{c}\left(\frac{1}{1-({V}/c)^2}-\frac{1}{\sqrt{1-({V}/c)^2}}\right)$  
  $\displaystyle \approx$ $\displaystyle \frac{2L}{c}\left(1+({V}/c)^2-1-\frac{1}{2}({V}/c)^2\right)$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle \frac{L{V}^2}{c^3}$  

onde usamos a aproximação binomial $ (1+x)^n\approx 1+nx$ , com $ x={V}/c<<1$ .
Inicialmente suposemos que o braço $ PA$ estava alinhado com a direcção do movimento da terra através do éter, ou de forma equivalente, com a direcção da corrente de éter. Suponhamos agora que rodamos o interferómetro (ou que admitimos que a corrente de éter muda de direcção).



Se:
1.
o braço $ PA$ está alinhado com a direcção da corrente de éter, o sinal $ PAP$ é mais lento que o sinal $ PBT$ : $ {T}_2>{T}_1$ , e a diferença máxima é:

$\displaystyle {T}_2-{T}_1=L{V}^2/c^3$

No detector observa-se um padrão de interferência com faixas pretas e brancas, com largura:

$\displaystyle c({T}_2-{T}_1)=L{V}^2/c^2$ (11)

FIGURA

2.
o interferómetro é rodado, a diferença nos tempos de percurso dos sinais $ PAP$ e $ PBP$ decresce até zero (quando ambos os braços formam um ângulo de $ 45^o$ relativamente à corrente de éter) e depois começa a aumentar. O sinal $ PAP$ fica mais rápido do que o sinal $ PBP$ .

No detector observa-se que as faixas pretas e brancas começam a deslocar-se e passam a marca. A largura das faixas diminui (até zero: $ {T}_1-{T}_2=0$ ), e começa depois a aumentar.

FIGURA

3.
o braço $ PB$ fica agora alinhado com a direcção da corrente de éter, e sinal $ PAP$ é mais rápido do que o sinal $ PBP$ : $ {T}_2<{T}_1$ , e a diferença máxima é:
$\displaystyle {T}_2-{T}_1=-L{V}^2/c^3$ (12)

No detector observa-se que a largura das faixas atinge novamente um máximo, dado por $ L{V}^2/c^2$ . Algumas faixas passaram além da marca.

FIGURA

A variação das diferenças (11) e (12), correspondentes às posições 1. e 2., é:

$\displaystyle \frac{L{V}^2}{c^3}-\left(-\frac{L{V}^2}{c^3}\right)=\frac{2L{V}^2}{c^3}$
Portanto, a largura máxima do padrão de interferência observado no detector, é $ \frac{L{V}^2}{c^2}$ . Podemos medir este valor, contando o número $ N$ de faixas que passam a marca, à medida que a largura do padrão varia desde o seu valor máximo até zero e aumenta depois até novamente o seu máximo, e multiplicando esse número $ N$ pela largura $ \lambda$ de uma única faixa (i.e., pelo comprimento de onda dos sinais luminosos):

$\displaystyle N\times\lambda=\frac{2L{V}^2}{c^2}$

Como conhecemos $ L$ e $ c$ , podemos determinar $ {V}$ , se conseguirmos observar um deslocamento de faixas no detector.


Mas nenhum deslocamento desse tipo foi observado !!!


Portanto, experimentalmente, não se observou qualquer diferença nos tempos de percurso dos sinais $ PAP$ e $ PBP$ :

$\displaystyle {T}_1={T}_2$


Possíveis explicações:


1.
A terra está em repouso relativamente ao éter - uma hipótese altamente improvável!!

2.
Contracção de Lorentz-Fitzgerald - os objectos sofrem uma contracção física na direcção do seu movimento através do éter.

Vejamos como isto poderia explicar o resultado experimental de que as duas distâncias seguintes:

- a distância percorrida pelo sinal $ PAP$ $ = .

- a distância percorrida pelo sinal $ PBP$ $ = .

são iguais: $ c T_2=cT_1$ ?


Suponhamos que o $ L$ que surge em cada uma das fórmulas é diferente:

$\displaystyle cT_2$ $\displaystyle =$ $\displaystyle 2L_\parallel\cdot\gamma^2 \ \ \ \ \ \  
$\displaystyle cT_1$ $\displaystyle =$ $\displaystyle 2L_\perp\cdot\gamma \ \ \ \ \ \ \, (\hbox{na  

Isto implicaria que:

$\displaystyle L_\perp=L_\parallel\cdot\gamma$ (13)

isto é, o comprimento $ L_\parallel$ do braço do interferómetro, paralelo à direcção do movimento, é mais curto do que o comprimento $ L_\perp$ do braço perpendicular à direcção do movimento (recorde que $ \gamma>1$ ) !! Mas esta é justamente a hipótese de Lorentz-Fitzgerald !!


3.
Postulado de Einstein

A velocidade da luz é a mesma em todos os referenciais de inércia.

Neste caso, no referencial ligado à terra, $ T_1=T_2=2L/c$ .






Página seguinte: Implicações da nova teoria
Página anterior: Transformações de Galileu
Índice