Next: O método das normais.  Previous: Índice





I. Introdução

       Consideremos dois planos $ {\mathscr{M}}$ e $ {\mathscr{F}}$, a que chamamos plano móvel e fixo, respectivamente, e imaginemos que $ {\mathscr{M}}$ se desloca sobre $ {\mathscr{F}}$.

       Mais sugestivamente, imaginemos que o plano $ {\mathscr{F}}$ é o plano de uma mesa e que $ {\mathscr{M}}$ é uma placa plana de plástico (transparente) indeformável que deslocamos sobre a mesa. Nos instantes $ t=0,1,2,\ldots$ a placa $ {\mathscr{M}}$ ocupará determinadas posições sobre $ {\mathscr{F}}$, que designamos sucessivamente por $ {\mathscr{M}}_0,{\mathscr{M}}_1,{\mathscr{M}}_2,\ldots$.

       Pontos e rectas de $ {\mathscr{M}}$ serão designados por letras latinas maiúsculas $ A,B,C,\ldots$ e minúsculas $ \ell,m,r\ldots$, respectivamente. No movimento de $ {\mathscr{M}}$ sobre $ {\mathscr{F}}$ um ponto $ A\in{\mathscr{M}}$ ocupará sucessivamente as posições $ A_0,A_1,A_2,\ldots$ em $ {\mathscr{F}}$, uma recta $ r$ de $ {\mathscr{M}}$ ocupará sucessivamente as posições $ r_0,r_1,r_2,\ldots$ em $ {\mathscr{F}}$, e anàlogamente para qualquer outra figura de $ {\mathscr{M}}$.

        Pontos e rectas fixas de $ {\mathscr{F}}$ serão designados por letras latinas minúsculas $ a,b,c,\ldots$ e por letras gregas $ { \alpha},{ \beta},{ \gamma}\ldots$, respectivamente. O movimento de $ {\mathscr{M}}$ sobre $ {\mathscr{F}}$, será representado pela notação $ {\mathscr{M}}/{\mathscr{F}}$.

       Na figura seguinte ilustramos o que acabamos de referir, representando, para maior clareza de exposição, o plano $ {\mathscr{M}}$ por um rectângulo limitado amarelo, transportando consigo um ponto $ A$, uma recta $ r$ e uma estrela $ f$. O plano $ {\mathscr{F}}$ é o plano vermelho.





       Durante este movimento, ambos os planos se mantêm indeformáveis, isto é, as distâncias entre os pontos de cada um mantêm-se inalteradas. Sendo assim, não é difícil mostrar que esse movimento fica completamente determinado conhecendo o movimento de dois quaisquer dos pontos de $ {\mathscr{M}}$.

       Consideremos então dois pontos $ A,B\in {\mathscr{M}}$ que, para duas posições sucessivas arbitrárias de $ {\mathscr{M}}$ em $ {\mathscr{F}}$, ocupam as posições $ A_0,B_0$ e $ A_1,B_1$, em $ {\mathscr{F}}$, como na figura seguinte:



Por favor habilite Java para uma construção interativa (com Cinderella).



      
       Através do ponto médio do segmento $ A_0A_1$ traçamos a perpendicular a este segmento, e, anàlogamente, através do ponto médio do segmento $ B_0B_1$ a respectiva perpendicular. Seja $ i\in{\mathscr{F}}$ o ponto de encontro destas duas perpendiculares. Temos então que (porquê?):
$\displaystyle A_0i$ $\displaystyle =$ $\displaystyle A_1i$  
$\displaystyle B_0i$ $\displaystyle =$ $\displaystyle B_1i$  
$\displaystyle A_0B_0$ $\displaystyle =$ $\displaystyle A_1B_1$ (1)

Os triângulos $ \triangle(A_0iB_0)$ e $ \triangle(A_1iB_1)$ são pois iguais e daí que:
$\displaystyle \measuredangle(A_0iB_0)=\measuredangle(A_1iB_1)$

       Vemos portanto que, por uma rotação em torno de $ i$, o ponto $ A_0$ será transformado em $ A_1$ e simultâneamente, $ B_0$ em $ B_1$. Como a posição de $ {\mathscr{M}}$ em $ {\mathscr{F}}$ fica completamente determinada pelas posições de dois dos seus pontos, concluímos que:


     O movimento de $ {\mathscr{M}}$ em $ {\mathscr{F}}$, da posição $ {\mathscr{M}}_0$ para a posição $ {\mathscr{M}}_1$ pode ser obtido por uma rotação em torno de um certo ponto fixo $ i\in{\mathscr{F}}$, que se chama por isso, o centro de rotação.

 

       O que acabamos de dizer é independente das posições de $ {\mathscr{M}}_0$ e $ {\mathscr{M}}_1$. Se estas posições se tornam infinitamente próximas, obtemos resultados aplicáveis a cada instante do movimento contínuo de $ {\mathscr{M}}$ sobre $ {\mathscr{F}}$. A corda $ A_0A_1$ converge então para a tangente à trajectória de $ A$, e a normal a essa corda, através do seu ponto médio, converge para a normal à trajectória de $ A$ que passa em $ A$. Portanto:


     Quando um plano $ {\mathscr{M}}$ se desloca continuamente sobre um plano $ {\mathscr{F}}$, as normais às trajectórias de todos os seus pontos passam, em cada instante, por um mesmo ponto. O sistema executa nesse instante uma rotação infinitesimal em torno desse ponto que, por isso, se chama o centro instantâneo de rotação.





       Para além das trajectórias dos pontos de $ {\mathscr{M}}$, é importante estudar a envolvente, no plano fixo, das diversas posições que uma recta (ou uma outra qualquer curva) de $ {\mathscr{M}}$ ocupa, quando $ {\mathscr{M}}$ se move sobre $ {\mathscr{F}}$. Aqui o resultado essencial é o seguinte:


     Quando um plano $ {\mathscr{M}}$ se desloca continuamente sobre um plano $ {\mathscr{F}}$, as normais às envolventes das rectas (e outras curvas) de $ {\mathscr{M}}$, nos pontos de contacto (pontos característicos) com essas rectas (ou curvas), passam todas pelo centro instantâneo de rotação. Esses pontos de contacto chamam-se pontos característicos da linha considerada.


       Por outras palavras: o ponto em que (a posição de) uma recta de $ {\mathscr{M}}$, num certo instante, toca a sua envolvente em $ {\mathscr{F}}$, é o pé da perpendicular baixada do centro instantâneo de rotação sobre essa recta.

       Vamos ver que, de facto, assim é. Para determinar o ponto característico, onde uma recta móvel $ AB$ toca, numa das suas posições, a curva envolvente das suas sucessivas posições em $ {\mathscr{F}}$, consideremos uma posição muito próxima $ A'B'$ dessa recta. Suponhamos que estas duas rectas, se intersectam num ponto $ C'$ de $ A'B'$, e seja $ C$ o ponto de $ AB$ que corresponde ao ponto $ C'$.



Por favor habilite Java para uma construção interativa (com Cinderella).




        $ C$ varia sobre $ AB$ ao mesmo que tempo que $ C'$ varia sobre $ A'B'$ e, no limite, quando $ A'B'$ se justapõe a $ AB$, ambos os pontos convergem para o mesmo ponto de $ AB$, que é exactamente o ponto característico de $ AB$.

        Mas, como sabemos, as perpendiculares aos segmentos $ CC'$, que passam nos respectivos pontos médios, passam todas pelo centro de rotação $ i$. Por outro lado, as rectas $ iC$ e $ iC'$ são normais às trajectórias desses pontos. Portanto no limite, a normal à recta $ AB$, no seu ponto característico $ C$, passa pelo centro instantâneo de rotação $ i$.

        Em particular, suponhamos que uma linha (recta ou uma outra curva) do plano móvel está condicionada a passar sempre por um certo ponto fixo de $ {\mathscr{F}}$ (que é pois a envolvente das sucessivas posições dessa linha). Então, para uma posição instantânea de $ {\mathscr{M}}$, a normal a essa linha, elevada a partir desse ponto fixo, passa pelo centro instantâneo de rotação.

        Como veremos nos vários exemplos que analisaremos em breve, estes princípios permitem construir geomètricamente:

  • o centro instantâneo de rotação;
  • as normais às trajectórias, em $ {\mathscr{F}}$, dos pontos de $ {\mathscr{M}}$; e ainda,
  • os pontos característicos em que as (sucessivas posições das) linhas transportadas por $ {\mathscr{M}}$ tocam as suas envolventes.

        Nesses exemplos, o movimento $ {\mathscr{M}}/{\mathscr{F}}$ será definido:

  • pelas trajectórias de dois pontos de $ {\mathscr{M}}$
  • pela trajectória de um ponto e pela envolvente de uma linha (que pode reduzir-se a um ponto)
  • pelas envolventes de duas linhas, que compreende o caso em que essas envolventes se reduzem a pontos
  • por um ponto pelo qual uma linha de $ {\mathscr{M}}$ deve passar e pela trajectória de um ponto
  • por um ponto pelo qual uma linha de $ {\mathscr{M}}$ deve passar e pela envolvente de uma linha de $ {\mathscr{M}}$.


       Veremos de seguida várias aplicações geométricas dos princípios atrás enunciados, designados conjuntamente pelo chamado "método das normais".







Next: O método das normais.  Previous: Contents   Índice
Joao Nuno Tavares 2005-04-12