O disco rotativo

 

 





Uma plataforma circular (pense na estação espacial do "2001, Odisseia no espaço") roda com velocidade angular constante em torno do seu eixo:

Figura 17
\begin{figure}\begin{center}\framebox{\epsfysize=6.5cm \epsfxsize=8cm


Cada ponto da plataforma percorre uma trajectória circular e portanto acelera em direcção ao centro. Um referencial ligado à plataforma é um referencial acelerado no qual a direcção e grandeza da aceleração varia de ponto para ponto. Neste aspecto difere de um referencial uniformemente acelerado no qual todo o ponto tem a mesma aceleração.

Pelo Princípio de Equivalência, este campo de acelerações é equivalente a um campo gravitacional. No entanto, este campo gravitacional não pode ser de tipo Newtoniano - o campo anula-se no centro do disco e cresce proporcionalmente com a distância ao centro, à medida que dele nos afastamos!

Vamos comparar medições de tempo e comprimento feitas por:

  •  um astronauta que habita a plataforma e  por
  •  um observador num referencial de inércia exterior.

Para sermos mais precisos, suponhamos que:

  •  o observador usa um referencial de inércia $ {\mathscr{R}}={\mathscr{R}}(t,x,y,z)$, e o
  •  astronauta um referencial $ {\mathscr{R}}'={\mathscr{R}}'(t',x',y',z')$
O referencial $ {\mathscr{R}}'$ roda com velocidade angular uniforme $ { \omega}$ , relativamente ao referencial de inércia $ {\mathscr{R}}$ , de tal forma que as origens espaciais coincidem sempre, bem como os eixos dos $ zz$ e $ z'z'$:
Figura 18
\begin{figure}\begin{center}\framebox{\epsfysize=5cm \epsfxsize=8cm \epsffile{Disco.eps}}


O astronauta faz experiências no disco (o seu mundo) com relógios e réguas, com o objectivo de chegar a uma definição do significado do tempo e espaço nesse seu mundo.


Medição
dos tempos



Para começar ele pega em dois relógios, $ A$ e $ B$ , idênticos, e coloca $ A$ no centro do disco e $ B$ na periferia do disco. Será que os tic-tacs dos dois relógios são iguais do ponto de vista de um observador fixo no referencial de inércia $ {\mathscr{R}}$ ?

Do ponto de vista deste observador, o relógio no centro tem velocidade nula enquanto que o da periferia tem velocidade linear $ v={ \omega}r$ , relativamente a $ {\mathscr{R}}$ , devido ao movimento de rotação. Portanto, do ponto de vista de $ {\mathscr{R}}$ , ou do observador $ A$ , o tic-tac do relógio $ B$ é mais lento do que o do relógio $ A$ .

Figura 19: $ A$ diz que tic-tac do relógio $ B$ é mais lento.
\begin{figure}\begin{center}\framebox{\epsfysize=5cm \epsfxsize=8cm


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Portanto não é possível obter uma definição razoável de tempo com ajuda de relógios em repouso relativamente ao disco (referencial $ {\mathscr{R}}'$ ).


Medição de comprimentos


Com a medição de comprimentos o mesmo acontece. De facto, seja $ p$ o perímetro do disco e $ r$ o seu raio, medidos pelo observador no referencial de inércia $ {\mathscr{R}}$ , usando réguas em repouso relativamente a esse referencial. Como se sabe, de acordo com a Geometria Euclideana:

$\displaystyle p=2\pi r$ (18)

Imaginemos agora réguas de comprimento próprio (de repouso) $ 1$ , movendo-se solidárias com o disco, em repouso relativamente a este (i.e., em repouso relativamente ao referencial $ {\mathscr{R}}'$ ), dispostas tangencialmente ao longo do seu perímetro (as réguas vermelhas da figura abaixo), preenchendo-o, e também ao longo do seu diâmetro (as réguas verdes da figura abaixo).




Que valor têm estes, de acordo com $ {\mathscr{R}}$ ?

Para imaginar mais precisamente a situação, o observador $ {\mathscr{R}}$ tira uma fotografia instantânea, num certo instante $ t$ . Nesse instantâneo, cada uma das réguas radiais continua com comprimento $ 1$ , enquanto que cada uma das tangenciais têm comprimento

$ \gamma^{-1}\times 1=\sqrt{1-(v/c)^2}<1$

De facto, como se sabe da Relatividade Restrita, corpos em movimento sofrem uma contracção (de Lorentz) do seu comprimento na direcção do movimento. No entanto, não há qualquer contracção, de acordo com $ {\mathscr{R}}$ , segundo a direcção do raio do disco.





O perímetro $ p'$ de um disco circular, do ponto de vista do astronauta em $ {\mathscr{R}}'$ , não é mais do que o número $ N$ de réguas tangenciais que aparecem no instantâneo, ao longo do perímetro:

$\displaystyle p'=N\times 1$ (19)

Por outro lado, o observador $ {\mathscr{R}}$ , ao examinar o instantâneo, vê o mesmo número $ N$ de réguas ao longo da periferia do disco, mas agora, cada uma com um comprimento $ \sqrt{1-(v/c)^2}$ . Portanto, de acordo com $ {\mathscr{R}}$ , o perímetro do disco é:
$\displaystyle p= N\times \sqrt{1-(v/c)^2}$ (20)

Substituindo $ N=p'$ , vem que:

$\displaystyle p=p'\times \sqrt{1-(v/c)^2}$ (21)

Mas como, por outro lado, $ r'=r$ , e $ p=2\pi r$ , vem que:

$\displaystyle 2\pi=\frac{p}{r}=\frac{p'\times\sqrt{1-(v/c)^2}}{r'}<\frac{p'}{r'} \ \ \
\Rightarrow \ \ \ \ p'>2\pi r'$


De acordo com o Princípio de Equivalência o referencial acelerado $ {\mathscr{R}}'$ do disco é equivalente a um campo gravitacional. Concluindo:


A Geometria Euclideana não é válida no disco, nem em geral num campo gravitacional.




Tendo reconhecido que gravidade e geometria estão relacionados, Einstein prosseguiu para a hipótese drástica de que o efeito da presença de matéria gravitacional manifesta-se através da distorção do espaço-tempo na sua vizinhança. O problema é encontrar a relação entre a distribuição de matéria e a geometria.

Segundo John Wheeler:

  • o espaço-tempo diz como a matéria se move
  • a matéria diz como espaço-tempo se curva




Cálculos:



Para quem gosta de cálculos mais concretos, eis os detalhes formais da situação anterior:


Comparemos as observações feitas por dois observadores $ {\mathcal{O}}$ e $ {\mathcal{O}}'$, fixos nas origens de dois referenciais $ {\mathscr{R}}={\mathscr{R}}(t,x,y,z)$ e $ {\mathscr{R}}'={\mathscr{R}}'(t',x',y',z')$. O referencial $ {\mathscr{R}}'$ roda com velocidade angular uniforme $ { \omega}$ , relativamente ao referencial de inércia $ {\mathscr{R}}$ , de tal forma que as origens coincidem sempre bem como os eixos dos $ zz$ e $ z'z'$ (figura 18). $ {\mathscr{R}}'$ não é pois um referencial de inércia. Ignorando as coordenadas $ z$ e $ z'$ , as fórmulas para a mudança $ M$ de coordenadas são:

$\displaystyle M:\,\left\{\begin{array}{lll} t&=& t' \\ x &=& x'\, \cos { \omega...
...ega}t' \\ y &=& x'\, \sin { \omega}t' + y'\,\cos { \omega}t' \end{array}\right.$ (22)

Note que $ t'=t$ , uma vez que $ {\mathcal{O}}\equiv{\mathcal{O}}'$ durante todo o movimento. $ M$ não é linear e é claro que não pode ser, por isso, uma transformação de Lorentz!

Consideremos agora um ponto $ P'$ rigidamente ligado ao referencial $ {\mathscr{R}}'$, no com coordenadas $ {\mathscr{C}}=(x'=r,y'=0)$ , onde $ r>0$ é constante.

Como $ P'$ está fixo em $ {\mathscr{R}}'$ , a sua linha de universo é uma linha recta paralela ao eixo $ t'$ . No entanto, em $ {\mathscr{R}}$ , $ P'$ tem uma velocidade não nula e a sua linha de universo é uma espiral.


De facto a linha de universo de $ P'$ , em $ {\mathscr{R}}$ , pode ser parametrizada por:

$\displaystyle {\boldmath { \alpha}}(t)=(t,x,y)=(t, r\,\cos{ \omega}t, r\,\sin{ \omega} t)$ (23)

(recorde que $ t'=t$ ) e portanto a velocidade linear de $ P'$ , no referencial $ {\mathscr{R}}$ , é igual a:

$\displaystyle {\bf v}=\left(\frac{dx}{dt},\frac{dy}{dt}\right)=r{ \omega}\,(-\sin{ \omega}t, \cos{ \omega}t)$ (24)

Da mesma forma, a aceleração linear é igual a:

$\displaystyle {\bf a}=\left(\frac{d^2x}{dt^2},\frac{dy^2}{dt^2}\right)=-r{ \omega}^2\,(\cos{ \omega} t, \sin{ \omega}t)$ (25)

A velocidade escalar $ v=\Vert{\bf v}\Vert=r{ \omega}$ é pois directamente proporcional ao raio $ r$ e à velocidade angular $ { \omega}$ . A aceleração é radial (perpendicular à trajectória circular de $ {\mathscr{C}}$ ) tem grandeza $ r{ \omega}^2$ e aponta para dentro (aceleração centrípeta).


A limitação de velocidade, imposta pela Relatividade Restrita, implica que $ v=r{ \omega}<c$, donde $ r<c/{ \omega}$ . Portanto o referencial não inercial $ {\mathscr{R}}'$ tem uma fronteira espacial - apenas podemos descrever os acontecimentos $ {\mathscr{A}}=(t',x',y')$que estão dentro do cilindro circular $ r=\sqrt{x'^2+y'^2}=c/{ \omega}$. Como um referencial de inércia não tem limitações deste tipo, esta é a primeira diferença que encontramos para o referencial não inercial $ {\mathscr{R}}'$ .


Para medir distâncias recorremos a um reticulado de réguas no plano $ x'y'$ , dispostas segundo as direcções radiais e circulares (figura 20).


As réguas que ficam em cima de um círculo são muito mais pequenas do que o seu raio, de tal forma a permitir medir o seu perímetro com uma grande precisão. Meçamos o perímetro e o raio do circulo descrito pelo ponto $ P'$ .


Toda a descrição far-se-á relativamente ao observador $ {\mathcal{O}}$ fixo no seu referencial de inércia $ {\mathscr{R}}$ . Relativamente a este observador, todas as réguas, alinhadas segundo o perímetro, estão em movimento, e portanto contraem-se na direcçao do movimento. No entanto este movimento circular não tem efeito sobre as réguas que medem o raio do círculo. Mais concretamente, as réguas tangenciais movem-se com velocidade linear $ v=r{ \omega}$ , e portanto contraem-se por um factor igual a:

$\displaystyle \gamma^{-1}=\sqrt{1-v^2}=\sqrt{1-r^2{ \omega}^2}<1$

Consideremos o círculo de raio $ r$ centrado na origem. Não há ambiguidade aqui - ambos os observadores concordam àcerca de distâncias radiais. Do ponto de vista das réguas do observador $ {\mathcal{O}}$, o círculo tem perímetro $ 2\pi r$ . Mas $ {\mathcal{O}}$ considera as réguas tangenciais do referencial $ {\mathscr{R}}'$ mais curtas por um factor 

$\displaystyle \gamma^{-1}=\sqrt{1-v^2}=\sqrt{1-r^2{ \omega}^2}<1$

Portanto, com estas réguas $ {\mathcal{O}}$ obtem a razão:

$\displaystyle \frac{\hbox{per\'imetro}}{\hbox{di\^ametro}}=\frac{2\pi r/\sqrt{1-r^2{ \omega}^2}}{2r}=\frac{\pi}{\sqrt{1-r^2{ \omega}^2}}\,>\, \pi$ (26)

Vamos agora calcular o tempo próprio do observador $ {\mathscr{C}}$ . É claro que o cálculo deve ser feito num referencial de inércia. Neste caso, vamos usar $ {\mathscr{R}}$.

Como:

$\displaystyle \frac{d{\boldmath { \alpha}}}{dt}=(1,-r{ \omega}\,\sin{ \omega}t, r{ \omega}\,\cos{ \omega}t)$
a função tempo próprio é dada por:

$\displaystyle \tau(t)=\int_0^t\, \Vert d{\boldmath { \alpha}}/dt \Vert\, dt= \int_0^t\, \sqrt{1-r^2{ \omega}^2}\,dt=\sqrt{1-r^2{ \omega}^2}\, t$ (27)

Em particular, $ t$ não é tempo próprio em $ {\mathscr{C}}$ , embora seja proporcional ao verdadeiro tempo próprio $ \tau$ . A constante de proporcionalidade $ \sqrt{1-r^2{ \omega}^2}$ é sempre inferior a $ 1$ , e portanto, o relógio de $ {\mathscr{C}}$ anda mais devagar do que o de $ {\mathcal{O}}'$ . Sabemos já que relógios que se movem andam mais devagar. Como a velocidade cresce com $ r$ , o mesmo acontece com a dilatação do tempo.







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