Relatividade Restrita - Uma introdução



IV. Implicações da nova teoria






Sincronização dos relógios




Dois observadores $ {\mathcal{O}}_1$ e $ {\mathcal{O}}_2$ , em repouso relativamente a um referencial de inércia $ {\mathscr{R}}$ , possuem cada um o seu relógio. Como é que esses observadores podem sincronizar os respectivos relógios (isto é, no instante em que um marca 0 , por exemplo, o outro marca também 0 ) ?

Uma maneira de fazer isso é a seguinte - quando o relógio de $ {\mathcal{O}}_1$ marca $ t_1=0$ , $ {\mathcal{O}}_1$ emite um raio luminoso em direcção a $ {\mathcal{O}}_2$ . Este raio percorre uma distância igual a $ \ell$ (= distância entre $ {\mathcal{O}}_1$ e $ {\mathcal{O}}_2$ ) com uma velocidade $ c$ e, por isso, demora $ \ell/c$ a chegar a $ {\mathcal{O}}_2$ . Se o relógio de $ {\mathcal{O}}_2$ marcar $ t_2=\ell/c$ quando fôr atingido pelo raio, ele marcava $ t_2=0$ quando o raio partiu de $ {\mathcal{O}}_1$ . Portanto os dois relógios estarão sincronizados.

O que significa dizer que um certo acontecimento ocorre num determinado lugar e num determinado momento, relativamente a um dado referencial de inércia??

Imaginamos esse referencial de inércia como um reticulado formado por réguas graduadas e por um conjunto de relógios, sincronizados entre si, situados nos vértices do reticulado tridimensional:




As coordenadas espaço-temporais do acontecimento são um conjunto ordenado de $ 4$ números: um que especifica o tempo do acontecimento, registado pelo relógio situado no local onde ocorre, e os restantes $ 3$ que especificam a colocação espacial do acontecimento relativamente ao reticulado referido.

Suponhamos agora que temos dois observadores $ {\mathcal{O}}_1$ e $ {\mathcal{O}}'_1$ , o primeiro em repouso relativamente a um referencial de inércia $ {\mathscr{R}}$ , e o segundo em repouso relativamente a um outro referencial de inércia $ {\mathscr{R}}'$ , que se desloca com velocidade uniforme $ {V}$ relativamente a $ {\mathscr{R}}$ . Cada um possui o seu relógio.

Será possível que estes observadores sincronizem os respectivos relógios ?





Relatividade da noção de simultaneidade





A relatividade obriga-nos a rejeitar o conceito de tempo absoluto!


Num mundo onde o tempo é absoluto, observadores em diferentes referenciais, usando relógios idênticos, medem sempre intervalos de tempo iguais entre dois mesmos acontecimentos. Em particular, se os dois acontecimentos são simultâneos para um observador, serão também simultâneos para um qualquer outro observador.

No entanto, em relatividade isto não é assim. Para explicar este facto surpreendente, analisemos a seguinte experiência conceptual.

Consideremos um autocarro que se move com velocidade constante $ {V}$ relativamente à paragem. Seja $ {\mathscr{R}}$ um referencial ligado à paragem e $ {\mathscr{R}}'$ um referencial ligado ao autocarro.

Sejam $ {\mathcal{F}}',{\mathcal{T}}'$ e $ {\mathcal{M}}'$ três passageiros dentro do autocarro, colocados, respectivamente, na parte da frente, na parte de trás e no meio do autocarro.

Num dado instante $ t'=0$ , $ {\mathcal{M}}'$ dispara um flash que emite dois raios luminosos, $ 1$ e $ 2$ , que seguem em direcções opostas até atingirem os dois passageiros colocados nos topos do autocarro.

Consideremos os acontecimentos:

  $\displaystyle A_1 =$ $\displaystyle \hbox{${\mathcal{M}}'$\ dispara o flash}$  
  $\displaystyle A_2 =$ $\displaystyle \hbox{O raio $1$\ atinge ${\mathcal{F}}'$}$  
  $\displaystyle A_3 =$ $\displaystyle \hbox{O raio $2$\ atinge ${\mathcal{T}}'$}$  

        $ \blacktriangleright$Analisemos a experiência no referencial $ {\mathscr{R}}'$ :

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Sejam $ t'_1, t'_2$ e $ t'_3$ os instantes em que ocorrem cada um dos três acontecimentos anteriores (registados pelos relógios sincronizados que cada passageiro possui). Como $ {\mathcal{F}}'$ e $ {\mathcal{T}}'$ estão à mesma distância de $ {\mathcal{M}}'$ , os raios, viajando à mesma velocidade, demoram o mesmo tempo a atingir $ {\mathcal{F}}'$ e $ {\mathcal{T}}'$ . Portanto:

$\displaystyle t'_2=t'_3$

Os acontecimentos $ A_2$ e $ A_3$ são pois simultâneos no referencial $ {\mathscr{R}}'$, ligado ao autocarro.

$ \blacktriangleright$Vejamos agora como descrever os mesmos acontecimentos relativamente ao referencial $ {\mathscr{R}}$ ligado à paragem.

O observador $ {\mathcal{M}}$ , situado no centro da paragem, testemunha o disparo do flash e a emissão dos raios, enquanto que os observadores $ {\mathcal{T}}$ e $ {\mathcal{F}}$ testemunham a chegada de cada raio aos topos do autocarro.

Sejam $ t_1, t_2$ e $ t_3$ os instantes em que ocorrem cada um dos três acontecimentos anteriores (registados pelos relógios sincronizados que cada testemunha, na paragem, possui). Podemos supôr que $ t_1=0$.

Para as testemunhas na paragem, o autocarro move-se com velocidade $ {V}$ . Analisemos a experiência, primeiro de acordo com a relatividade de Galileu e depois de acordo com a relatividade de Einstein.

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Relatividade de Galileu ...

Ao fim do intervalo de tempo $ t_3-t_1=t_3$ (recorde que fizemos $ t_1=0$ ), o autocarro percorre uma distância $ {V} t_3$ . Seja $ L$ o comprimento do autocarro (medido em $ {\mathscr{R}}$ ). A distância que o raio 2 percorre, medida em $ {\mathscr{R}}$ , é igual a $ L/2-{V} t_3$ .

Por outro lado, essa mesma distância é igual a $ (c-{V})t_3$ , uma vez que, de acordo com a relatividade de Galileu, a velocidade do raio $ 2$ é $ c-{V}$ . Portanto:

$\displaystyle (c-{V} )t_3=\frac{L}{2}-{V} t_3 \ \ \ \ \ \ \Rightarrow \ \ \ \ \ \ t_3=\frac{L}{2c}$ (14)

Anàlogamente, segundo $ {\mathscr{R}}$ , a velocidade do raio $ 1$ é $ c+{V}$ e a distância por ele percorrida é $ L/2+{V} t_2$ . Portanto:

$\displaystyle (c+{V} )t_2=\frac{L}{2}+{V} t_2 \ \ \ \ \ \ \Rightarrow \ \ \ \ \ \ t_2=\frac{L}{2c}$ (15)

De acordo com a relatividade de Galileu $ t_2=t_3$ e os dois acontecimentos são simultâneos em ambos os referenciais.

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Relatividade de Einstein ...

Mas a situação altera-se se adoptarmos o segundo princípio de Einstein segundo o qual a velocidade da luz é $ c$ , em ambos os referenciais. Agora vem que:

$\displaystyle ct_3=\frac{L}{2}-{V} t_3 \ \ \ \ \ \ \Rightarrow \ \ \ \ \ \ t_3=\frac{L}{2(c+{V} )}$ (16)

e, anàlogamente:
$\displaystyle ct_2=\frac{L}{2}+{V} t_2 \ \ \ \ \ \ \Rightarrow \ \ \ \ \ \ t_2=\frac{L}{2(c-{V} )}$ (17)

A diferença é:
$\displaystyle {\Delta t}=t_3-t_2=\frac{{V} L}{c^2(1-(V /c)^2)}=\frac{VL}{c^2}\gamma^2$ (18)

e:

$\displaystyle t_2<t_3$

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                          Conclusão: os acontecimentos  $ A_2$ e $ A_3$ não são simultâneos, quando descritos no referencial $ {\mathscr{R}}$ , ligado à paragem !!

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Note que não assumimos que as testemunhas na paragem e os passageiros no autocarro estão de acordo àcerca do comprimento deste. De facto, isso não acontece, como veremos em breve. No entanto todos concordam que o flash dispara no meio do autocarro.

Concluindo:

Acontecimentos que ocorrem no mesmo instante mas em locais diferentes, de acordo com um referencial $ {\mathscr{R}}$ (ou o correspondente conjunto de observadores), ocorrem em instantes diferentes de acordo com um referencial $ {\mathscr{R}}'$ em movimento relativamente ao primeiro.


Não se questiona o princípio da causalidade - a causa precede sempre o efeito - como veremos em breve.






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