O Teorema de Pick e o cálculo da área de polígonos



Seja $ {\mathscr{P}}$ um polígono cujos vértices são pontos do reticulado $ {\mathscr{R}}$ .

Aos pontos que estão sobre as arestas do polígono chamamos pontos fronteira e aos que estão no interior do polígono chamamos pontos interiores.

O polígono $ {\mathscr{P}}$ diz-se simples quando não possui buracos no seu interior nem intersecções das suas arestas.



Polígono simples


Polígonos não simples




O teorema seguinte foi descoberto em 1899 por Georg Alexander Pick e permite calcular a área de um polígono simples contando o número $ B$ dos seus pontos de fronteira e o número $ I$ dos seus pontos interiores.


Teorema de Pick

Dado um polígono simples $ {\mathscr{P}}$, sejam $ B$ o número de pontos de fronteira, $ I$ o número de pontos interiores.

Então a área $ {\mathscr{A}}({\mathscr{P}})$ desse polígono é dada pela expressão seguinte

$\displaystyle {\mathscr{A}}({\mathscr{P}})=\frac{1}{2}B+I-1$




O Teorema de Pick é fascinante porque nos permite calcular a área de um polígono simples a partir da contagem de pontos do reticulado. É de facto surpreendente que seja possível substituir o processo habitual de cálculo de uma área, que envolve medições de grandezas contínuas, por uma contagem de grandezas discretas (uma espécie de "quantização" da área!)






Demonstração do teorema de Pick





Para demonstrarmos o teorema de Pick, vamos mostrar, em primeiro lugar, que o segundo membro da fórmula de Pick - o que dá aquilo a que podemos chamar o número de Pick do polígono $ {\mathscr{P}}$:

$\displaystyle \hbox{Pick}({\mathscr{P}})=\frac{1}{2}B+I-1$

é aditivo no sentido seguinte: justapondo dois polígonos ao longo de pelo menos uma aresta, então o número de Pick do polígono resultante é igual à soma dos números de Pick dos dois polígonos referidos.

Este facto não deve surpreender. De facto, como sabemos, o mesmo acontece para área  - justapondo dois polígonos ao longo de pelo menos uma aresta, a área do polígono obtido é a soma das áreas dos polígonos iniciais.

Assim, se o Teorema de Pick for válido, por outras palavras, se:

$\displaystyle {\mathscr{A}}({\mathscr{P}})=\hbox{Pick}({\mathscr{P}})$
então $ \hbox{Pick}({\mathscr{P}})$ terá de obedecer a essa mesma propriedade de aditividade.



A prova de que o número de Pick é aditivo está sugerida na animação seguinte:




Consideremos então dois polígonos arbitrários $ {\mathscr{P}}_{d}$ e $ {\mathscr{P}}_{e}$, sendo $ {\mathscr{P}}_{d}$ o polígono da direita e $ {\mathscr{P}}_{e}$ o da esquerda.



Suponhamos que o número de pontos do interior e da fronteira do polígono $ {\mathscr{P}}_{d}$ são $ I_{d}$ e $ B_{d}$ , respectivamente, e os do polígono $ {\mathscr{P}}_{e}$ são $ I_{e}$ e $ B_{e}$ . Unindo os polígonos $ {\mathscr{P}}_{d}$ e $ {\mathscr{P}}_{e}$ obtemos um polígono $ {\mathscr{P}}$ com $ I$ pontos interiores e $ B$ pontos de fronteira, como se ilustra na figura anterior. O nosso objectivo é pois mostrar que:


$\displaystyle \hbox{Pick}({\mathscr{P}})=\hbox{Pick}({\mathscr{P}}_e)+\hbox{Pick}({\mathscr{P}}_d)$
isto é, que:

$\displaystyle \frac{1}{2}B+I-1=\left(\frac{1}{2}B_e+I_e -1\right) +\left(\frac{1}{2}B_d+I_d -1\right)$

Repare que, depois de justapôr os dois polígonos, os pontos do reticulado situados sobre as arestas comuns dos dois polígonos $ {\mathscr{P}}_{d}$ e $ {\mathscr{P}}_{e}$ tornam-se pontos interiores do polígono $ {\mathscr{P}}$, excepto dois deles (a verde na figura anaterior), que continuam a ser pontos de fronteira, embora agora do polígono $ {\mathscr{P}}$ .

Seja $ k$ o número de pontos de contacto de $ {\mathscr{P}}_{d}$ e $ {\mathscr{P}}_{e}$ que após a justaposição se tornaram pontos interiores de $ {\mathscr{P}}$  (na figura anterior $ k$ = 6). Então

$\displaystyle I=I_{d}+I_{e}+k$ (1)

Por outro lado, se quisermos calcular $ B$ temos de retirar $ k$ a $ B_{e}$ e a $ B_{d}$ , uma vez que, depois da junção dos dois polígonos, esses $ k$ pontos ficaram pontos interiores de $ {\mathscr{P}}$ . Precisamos ainda de ter em atenção que os dois pontos a verde são comuns a $ {\mathscr{P}}_{e}$ e $ {\mathscr{P}}_{d}$ e portanto foram contados duas vezes.

Resumindo tudo isto, temos então que:

                        $\displaystyle B$ $\displaystyle =$ $\displaystyle (B_{e}-k)+(B_{d}-k)-2$  
  $\displaystyle \Longrightarrow$ $\displaystyle B=B_{e}+B_{d}-2k-2$ (2)

Substituindo então (1) e (2) na fórmula de $ \hbox{Pick}({\mathscr{P}})$, obtemos:


                               $\displaystyle \hbox{Pick}({\mathscr{P}})$ $\displaystyle =$ $\displaystyle I+\frac{1}{2}B-1$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle (I_{d}+I_{e}+k)+\frac{1}{2}(B_{e}+B_{d}-2k-2)-1$  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle \left(I_{e}+\frac{  
  $\displaystyle =$ $\displaystyle \hbox{Pick}({\mathscr{P}}_e)+\hbox{Pick}({\mathscr{P}}_d)$ (3)

Está assim provada a aditividade do número de Pick.






Exercício: comprove a aditividade do número de Pick para os polígonos da figura seguinte:






Mas como é que a propriedade da aditividade do número de Pick nos pode ajudar a provar o teorema de Pick?




Vejamos! Acabamos de mostrar que justapondo dois polígonos ao longo de pelo menos uma aresta, os respectivos números de Pick adicionam-se (bem como as respectivas áreas, é claro). Isto sugere a seguinte estratégia de demonstração: decompômos o polígono dado, $ {\mathscr{P}}$ , numa justaposição de polígonos "elementares" para os quais o teorema de Pick seja fácil de verificar directamente.

Ora, qualquer polígono simples $ {\mathscr{P}}$ , com vértices no reticulado, pode ser decomposto em triângulos cujos vértices são também pontos do reticulado.



Basta pois provar o teorema de Pick para um triângulo arbitrário com vértices no reticulado.


Mas um tal triângulo pode ser completado num triângulo rectângulo justapondo-lhe ou rectângulos ou novos triângulos rectângulos. E, por último, um rectângulo é justaposição de dois triângulos rectângulos.


Tudo isto permite concluir que basta provar o teorema de Pick para rectângulos! Mas estes são justaposição de quadrados de lado 1. E para estes últimos, o teorema de Pick é trivial. De facto. para um quadrados de lado 1, a área é 1, enquanto que $ B=4$ , $ I=0$ e portanto o número de Pick é $ B/2+I-1=4/2-1=1$.